A Cidade Constitucional e a Capital da República 2012 - Relatório
Entre as diversas atividades desenvolvidas ao longo da
viagem, quando se pode conhecer um pouco mais da estrutura e atividades da
administração pública em nível federal, uma me chamou mais a atenção, sendo as
ações da Controladoria Geral da União (CGU), órgão de controle interno do poder
executivo federal, que tem como atribuições básicas a correição, prevenção e
combate à corrupção, também a partir do controle social por parte da sociedade
brasileira. Na apresentação do tema ficou nítido que um dos graves problemas da
administração pública brasileira é o desvio de recursos públicos e mais, o
desperdício desses recursos dentro da administração.
Traçando um paralelo com outro tema relevante dentro
do estudo da administração entendi como oportuno comentar e abordar sobre accountability, a partir da ideia de que
para se alcançar a transparência na administração pública é necessário
incorporar ideias e transformá-las em ações. Para tanto, foi realizada a
revisão bibliográfica de alguns estudos sobre o assunto.
Ao explorar o conceito de accountability observa-se que seus aspectos vão além do que
comumente este é empregado, bem como no Brasil, seu emprego é recente, até
porque os aspectos de accountability
passam a ser empregados por aqui, somente com o advento da Constituição Federal
de 1988, e mesmo assim, ainda há inúmeras resistências ao seu efetivo emprego,
dada as vicissitudes de nossa política e nossa administração pública.
Aliás, a
palavra accountability está
intimamente ligada a conceitos de democracia e governança ultrapassando a ideia
de responsabilização política. Percebe-se que sua abrangência é muito maior. A
eficiência administrativa e da responsabilização política depende do comprometimento
do gestor público com a democracia e com um projeto de desenvolvimento social
(RODRIGUES, 2010).
Nos estudos de CAMPOS (1990) foi evidenciado que a
possibilidade de se tornar a administração pública brasileira mais responsável
está relacionada a algumas necessidades que, acabam por guardar certa
dependência uma da outra e estão diretamente ligadas aos aspectos da democracia
sendo: i) organização dos cidadãos para exercer o controle político do governo;
ii) descentralização e transparência dos governos; iii) substituição dos
valores tradicionais por valores sociais emergentes. Nota-se que as
necessidades apontadas por Campos, nos remetem a própria Constituição do país.
Nos seus capítulos, artigos, parágrafos e incisos, o ordenamento jurídico do
país já faz alusão e põem à disposição não somente dos governantes, mas também
dos cidadãos, inúmeros dispositivos para que se possa desenvolver uma
administração mais responsável. Fato é que a Constituição brasileira nasce após
um longo período em que o país esteve sob o domínio de um regime de exceção,
quando a sociedade ansiava por mudanças, o que vem ao encontro das necessidades
apontadas por Campos. Naquele momento abre-se a “janela de oportunidade” para
as transformações, dada confluência do fluxo de problemas, necessidade de
mudança do “status quo” de até então;
com o fluxo político, clima nacional de necessidade de mudanças, pressão de
grupos e instituições recém criadas como o PT - Partido dos Trabalhadores, CUT
- Central Única dos Trabalhadores, MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra,
entre outros, além das próprias mudanças no seio do governo.
Retomando o conceito de accountability verificou-se que não há uma única palavra que possa
traduzi-lo na língua portuguesa, evidenciando a elasticidade de aspectos que a
palavra nos apresenta.
O estudo de Campos mostra que mesmo no idioma inglês,
originário da palavra, nem todos os dicionários possuem a palavra elencada,
havendo a necessidade de buscar palavras correlatas como accountable, traduzida em dicionários da língua inglês - português
pelos adjetivos responsável, explicável e justificável.
Constatou-se também que a palavra accountability, traz a ideia, considerando de forma implícita, de
responsabilidade pessoal pelos atos praticados, e explicitamente exige a
prestação de contas tanto na administração pública como na privada.
Em artigo de PINHO; SACRAMENTO (2009) um ponto
interessante nos remete ao tratado anteriormente. Verificou-se que a palavra em
estudo é, no idioma inglês, parte de seus dicionários desde os anos 1797,
enquanto no Brasil, segundo os autores, começa a ser introduzido efetivamente
em nossa literatura a partir do século XXI. Ora, não há como deixar de fazer um
paralelo com a própria conformação histórica dos países, uma vez que, como bem lembraram
os autores, a palavra surge em meio a um período em que, o país de origem vive
a onda capitalista. Para boa condução da administração pública se exigiu a
responsabilidade por parte daquela. Enquanto que, no Brasil, somente com o
advento da Constituição de 1988, surge instrumentos capazes de serem
referenciados como prática de accountability,
e mesmo assim, como já tratado, as disfunções políticas e da burocracia
administrativa do país, são impedimentos para o emprego destas práticas.
Desta forma, pôde-se concluir que, no idioma português
a palavra accountability possui mais
que uma tradução ou aspecto, sendo as mais comuns, a responsabilidade;
obrigação e responsabilização daqueles que ocupam cargo, geralmente de tomador
de decisão, em prestar contas conforme a lei, e que caso não a faça, poderá
ficar a mercê do ônus da justiça.
Para maior entendimento da palavra, bem como para
mostrar a dimensão da interpretação desta, foi necessário buscar o conhecimento
com alguns autores que exploraram mais amiúde o assunto. Isso evidenciará os
vários aspectos da palavra como inicialmente comentado. Para SCHEDLER (1999) o
significado de accountability foi
pouco explorado, uma vez que mesmo com a adoção da palavra por instituições,
políticos, ativistas de base, acadêmicos, jornalistas entre outros, mesmo na
sociedade anglo-saxã seu significado ainda é evasivo e de fronteiras
indefinidas. Há de se destacar que, um conceito susceptível a mais de uma
interpretação deve acompanhar a própria evolução das sociedades, e sua
realidade a cada tempo, de forma que tenha que se adequar ao status quo.
CAMPOS (1990) afirma que accountability é sinônimo de responsabilidade objetiva, por
tratar-se da responsabilidade de uma pessoa ou organização para com a outra,
que esteja em ambiente externo ao seu. Isto levaria a uma premiação e
reconhecimento, em sendo empregada, ou ao contrário, levaria ao castigo, ou
seja, quem tem responsabilidade para com alguma pessoa ou instituição deve se
sujeitar à responsabilização pelo desempenho e resultados de suas ações.
Esta responsabilidade, aí se levanta outro aspecto da
palavra, alerta também para ideia de que essa não pode estar pautada pela
ameaça e sanção, mas sim por um sentimento interior de que, cada um faz parte
da solução e não apenas do problema, associando a ideia de responsabilidade
subjetiva, aquele sentimento da própria pessoa sobre si mesma, que fará com que
ela acredite na necessidade de prestar constas a alguém.
Outro aspecto levantado, este por PRZEWORSKI (1998),
aborda a ideia de que os governos são responsáveis, se os cidadãos tiverem
acesso à informação que retrata atuação dos governantes em benefício do
interesse público, e mais, se aqueles poderão aplicar sanções caso este aspecto
não esteja sendo atendido. Assim, pela lógica, um político em desconformidade
com esta regra, acabaria por não ser reeleito.
Na visão de SCHEDLER (1999) accountability depende de
três questões tidas como necessárias para sua eficácia: informação,
justificação e punição. Informação e justificação dizem respeito à obrigação de
as autoridades públicas informarem, explicarem e responderem pelos seus atos, o
chamado answerability. Já a punição
diz respeito à capacidade das agências imporem sanções e perda de poder àqueles
que não estiverem comprometidos com o interesse público, o chamado enforcement. Nesta visão, a noção de accountability é bidimensional, pois,
envolve a capacidade de resposta e de punição, bem como pode-se depreender que answerability e enforcement se complementam. Isto também infere a constatar que accountability, como já destacado, vai
além da geração e divulgação de dados, dado que, accountability, permite a
possibilidade de punição àqueles que não estiverem pautados pelo interesse
coletivo, por exemplo.
Voltando ao
pensamento de Campos destaca-se o fato de que a autora relaciona accountability com democracia, uma vez
que em sociedades mais avançadas, considerando o emprego da democracia, o
interesse pela accountability costuma
ser maior que nas demais. Outra consideração importante para esta análise, diz
respeito às considerações de SCHEDLER (1999), quando trata da accountability como sinônimo de
responsabilidade objetivo, resgatando o entendimento de Campos, pois isto
reforça a ideia da necessidade de se estabelecer um diálogo entre os atores que
possuem responsabilidades, com aqueles tidos como responsivos. Seguindo nesta
linha, para Schedler, a accountability política
pressupõe a existência do poder e a necessidade de que este seja controlado e
não eliminado, sendo a própria razão de ser do accountability. Assim, identifica três formas de o poder ser
controlado, ou de prevenção do abuso do poder: i) sujeitar o poder ao exercício
das sanções; ii) obrigar que este poder seja exercido de forma transparente;
iii) forçar que os atos dos governantes sejam justificados; sendo a primeira
ligada ao conceito de enforcement e
as outras duas à capacidade de resposta das autoridades públicas. Esta última, answerability, indicaria dois pontos de
análise: um relativo à informação das decisões e outro relativo à necessidade
dos governantes explicarem tais decisões, configurando uma dimensão
informacional e outra argumentativa, ambas interiorizadas na concepção de accountability (CARNEIRO, 2004).
Schedler ainda enxerga uma terceira dimensão, relativa aos elementos que
obrigam ao cumprimento da lei, através de sanções diversas, podendo estas três
dimensões estarem juntas ou não, para a existência de accountability. O autor relata que, a necessidade de accountability advem da opacidade do
poder, de um contexto de informação imperfeita e tem como eixo básico o
princípio da publicidade. Accountability somente
tem sentido dentro do espaço público, preservando suas três dimensões:
informação, justificação e punição.
Outros estudos
relevantes sobre o conceito de accountability
são os de O’DONNELL (1998,1991) que trata a dimensão bidimensional de accountability a classificando de acordo
com o lugar ocupado pelos atores que participam deste processo, o dividindo em
vertical e horizontal.
O accountability vertical é entendido como
uma ação entre desiguais, individual e/ou coletiva, tanto sob a forma do
mecanismo de voto (controle top-down),
como sob a forma de controle burocrático (buttown-up),
caso das eleições; das reivindicações por parte de movimentos sociais; as próprias
reivindicações por parte da sociedade civil, independente de organização; do
papel da imprensa etc. Já accountability horizontal
é entendido como uma relação entre iguais, através do mecanismo de checks and balances, ou seja, os freios
e contrapesos, a vigilância mútua entre os poderes do Estado, caso da atuação
entre executivo, legislativo e judiciário; as agências e instâncias
responsáveis pela fiscalização na prestação de contas. Desta forma, a dimensão
vertical do conceito de accountability nos
indica a existência de uma ação entre desiguais, cidadão x representante;
enquanto que a dimensão horizontal indica uma relação entre iguais, o checks and balances entre os poderes
constituídos de um Estado.
Ainda, para SCHEDLER
(1999), a ideia de O’Donnell, ao abordar accountability
vertical e horizontal, mas precisamente o accountability horizontal, considerando somente os atos e ações por
parte dos agentes do Estado, independentes entre si, apresenta dificuldades de
análise. Isso se dá em razão de não ser suficiente, a definição de accountability horizontal, quando se
baseia na autonomia dos poderes constituídos. O autor entende que, há
necessidade de ser levado em consideração o papel dos agentes da sociedade em
ambas dimensões.
Na ideia de O’Donnell
observa-se também que a accountability vertical
e horizontal foi construído sobre as três correntes clássicas do pensamento
político, quais sejam: a democracia, liberalismo e republicanismo.
O'Donnell
(1998) em seu estudo também faz uma análise muito próxima da realidade
brasileira, ao afirmar que, mesmo havendo mecanismos de accountability
na América Latina, estes possuem alta fragilidade, assim como já discutido
anteriormente quando foi citado que governantes e governantes encontram a sua
disposição dispositivos na Carta Magna deste país, para que sejam empregados, a
fim de tornar a administração estatal mais próxima da ideia de accountability. Ao analisar o plano
vertical, o autor lembra que embora se tenha as eleições como principal canal
entre desiguais, o fato de ocorrerem de tempos em tempos, aliando-se à
existência de sistemas partidários pouco estruturados, e até viciados e
susceptíveis às vicissitudes das gramáticas da política, a volatilidade de
eleitores e partidos, políticas públicas pouco definidas e súbitas reversões
políticas, tudo isso, faz com que a eficácia da
accountability eleitoral
torna-se bastante fragilizada.
Tanto O'Donnell
(1998) como Campos (1990) partilham de mesma opinião quando questionam a
eficácia dos mecanismos de accountability,
principalmente em relação à imprensa, uma vez que esta demonstra estar
viciada, ou seja, ligada a interesses e conveniências particulares, o que, sem
sombras de dúvidas, agindo assim, se afasta dos aspectos de accountability.
No plano horizontal o
autor evidencia a necessidade de as agências do Estado estarem trabalhando em
rede e não somente ligadas as suas respectivas e específicas áreas de atuação
de forma isolada. Isso nos remete novamente as contribuições de Kingdon quando
da análise da formação da agenda política, formulação e implementação de
políticas públicas, já que as redes sociais geralmente criam um sentimento
comum entre os diversos atores que participam deste ciclo. Outras evidencias apontadas são a possibilidade de violação
da accountability
horizontal através da usurpação ilegal da autoridade de uma agência estatal
por outra e a corrupção. Campos, sobre isso, cita o final da década de 1980
brasileira, com a path dependence se fazendo presente, já que muito do
que esta autora abordou em seu trabalho, ainda persiste na cena brasileira.
Desta forma, Campos trata e entende que havia, à época, uma falta de
credibilidade do Poder Legislativo, que possuía representantes não demandados
pela sociedade, a fim de executar as promessas de campanha, e com isso
preocupavam-se com interesses particulares somente. Quanto ao Judiciário
entendeu que este poder era dependente do Executivo, principalmente na alocação
de recursos financeiros. Nesta linha de pensamento, juntamente com a pouca
mobilização da sociedade civil, resultaria a má qualidade de informações entre
governo e sociedade, que teria permitido a soberania do Executivo em nível
federal sobre as demais esferas, bem como do Executivo sobre os demais poderes.
Muito do que foi
tratado até então nos infere a pensar que, a assimetria informacional entre
governo e cidadão passa a ser uma condição sine qua non na relação entre
governo e cidadão. Isso se daria pelo fato de, conforme Przeworki (1998), mesmo
havendo instituições democráticas tidas como clássicas em funcionamento
satisfatório, estas não poderiam garantir a accountability
e tão pouco capacitar os cidadãos a obrigarem os governos a cumprir com o
seu dever pois, os governos são detentores de informações privadas sobre seus
objetivos e sobre as relações entre as políticas e resultados.
Destaca-se neste
momento os apontamentos do Centro Latino Americano para o Desenvolvimento
(Clad) para quem a realização do valor político da accountability
depende de dois fatores: o desenvolvimento da capacidade dos cidadãos de
agir na definição das metas coletivas de sua sociedade, já que em sendo
indiferentes à política inviabiliza-se este processo; e a construção de
mecanismos institucionais que garantam o controle público das ações dos
governantes ao longo de todo o seu mandato (2006); apontamentos estes que vão
ao encontro do que Campos (1990) já havia pensado e ainda, para ela, a ausência
de accountability no Brasil se dá
pela pobreza política das pessoas que se comportam de forma passiva, a espera
de uma ação por parte do Estado, ao invés delas próprias se organizarem e
demandarem do Estado. Esta ideia, ainda arraigada no Brasil, merece certa
cautela na análise e tomada como verdade exclusiva porque nos faz refletir
sobre o processo histórico de formação do Estado brasileiro, discussão que não
se faz necessária no momento, mas que deve ser levada em consideração.
O Clad (2006) ainda
identifica cinco formas de avaliação da administração pública, evidenciando o
caráter multidimensional da accountability, sendo: a) pelos
controles clássicos; b) pelo controle parlamentar; c) pela introdução de lógica
dos resultados; d) pela competição administrativa; e e) pelo controle social.
Nota-se que o surgimento de formas ainda não exploradas, caso da lógica de
resultados, competição administrativa e
controle social, que se relacionam com uma nova gestão pública, diferentemente
daquela weberiana, voltada aos processos. A política de resultados considera
essencial a utilização de sistemas de avaliação das políticas públicas para
mensuração de desempenho e para se exigir a prestação de contas dos atores
responsáveis que atuam dentro do ciclo de políticas, desde a preparação da
agenda política até a avaliação propriamente dita.
Do controle social
depreende-se que o controle dos cidadãos sobre os governantes deve ser
constante, desde as eleições até o desenvolvimento do mandato político, bem
como tanto nas esferas de decisão da administração pública, como nas esferas de
produção de bens e serviços públicos e privados.
Por fim, vale
comentar sobre uma nova ideia de accountability,
a accountability societal definida na literatura como um mecanismo de
controle não eleitoral, que emprega ferramentas institucionais e não
institucionais como participação em instâncias de monitoramento, denúncias na
imprensa, entre outras, baseadas na ação de cidadãos através de associações,
movimentos, mídia etc, e que têm como objetivo expor as falhas e disfunções do
governo, e assim, agendar novas pautas para agenda pública ou influenciar as
decisões a serem implementadas pelo Estado, ou seja, ao que parece, trata-se de
atores considerados como privados apenas, aqueles que somente possuem a
capacidade de influenciar e não de decidir.
Esta ideia parte do
pressuposto da dicotomia entre Estado e sociedade civil e a partir disto,
existe uma especificidade que é o controle da sociedade sobre a ação do Estado,
que mereceria de estudo à parte das dimensões vertical e horizontal.
Interessante que, estas últimas dimensões não fazem sentido se não considerarem
a dimensão societal.
Concluindo, fica
evidente que o conceito de accountability
é abrangente e assunto inesgotável, que envolve responsabilidade objetiva e
subjetiva, controle, transparência, obrigação de prestação de contas,
justificativas para ações desencadeadas ou não, premiação ou castigo.
No Brasil fica claro
que mesmo com os avanços alcançados, muito a partir da Constituição Federal de
1988, ainda o país padece de maior absorção e aplicação do conceito de accountability.
Rodrigo
Cunha de Souza, graduando
de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP)
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